Não é novidade, nem de
tempos recentes, que a Marvel, com total tranquilidade, explora novos aspectos
de histórias já consolidadas nos quadrinhos com a finalidade de criar um
universo cinematográfico coeso, o que nem sempre gera bons frutos. Em Thor
(2011), temos uma superficialidade só quebrada pelo carisma do vilão; em Homem
de Ferro 3 (2013), o roteiro bagunçado e as justificativas narrativas são
ignoradas posteriormente e Mandarim é ridicularizado; em Era de Ultron (2015) o
próprio diretor admite sua falha, apesar de eu particularmente achar menos
problemático que os exemplos citados anteriormente. Mas agora, querido leitor,
abro o diálogo dizendo que o tiro foi certeiro e que lhe justificarei esse
posicionamento numa jornada SEM SPOILERS, mas com a devida empolgação que o
longa no qual vos falo merece.
Antes de qualquer coisa,
pontuo aqui que Capitão América: Guerra Civil (2016) não é um Vingadores 2.5 ou
mesmo um Homem de Ferro 4, como a internet vem temendo nos últimos meses, mas um
excelente Capitão América 3, como bem proposto pelo título e divulgação do
filme. Engana-se quem conclui, no entanto, a partir da afirmação anterior, que
a Guerra Civil, ou os arcos secundários são mal desenvolvidos. Steve Rogers
protagoniza o roteiro e está, de alguma forma, influenciando ou participando da
totalidade de acontecimentos, seja por sua intervenção direta ou por seu
posicionamento político, sendo esta a razão para seu destaque.
Guerra Civil é um arco
importante para o Universo Marvel como um todo, estendendo-se nos quadrinhos
por todos os heróis da editora, e a essência política aparece muito clara na
adaptação para as telonas. A luta perpassa os âmbitos político, físico e
psicológico, e apesar de simplificada e resumida, por motivos óbvios, cumpre
muito bem a função de mostrar a tensão e as consequências de se posicionar a
favor ou contra o registro. Em síntese, o antagonismo acontece quando o governo
decide impor limites à atuação de seres com habilidades especiais e
parafraseando as falas do filme “decidir quem deve atuar em cada situação,
tornando criminoso quem agir sem autorização direta”.
Sou
declaradamente contra a Lei de Registro, ou como tratado no cinema, Acordo de
Sokovia, mas tento aqui uma análise apartidária, até porque o próprio roteiro
alcança isso ao limitar-se em expor os pontos de vista sem eleger vilões ou
mocinhos. Há fundamento para Stark assinar da mesma forma que há motivação o
bastante para Rogers recusar-se.
Se você está a par dos trailers e do material
lançado, pode parecer que Bucky é o grande estopim do conflito, onde Steve
parte em defesa do amigo, mas no avançar dos minutos em tela, temos uma bola de
neve crescente que balança as motivações de ambos os lados ao apresentar
causalidades e personagens que complexificam a luta. Subjetividade declarada,
para mim ficou claro o quão prejudicial Tony
Stark se tornou para os Vingadores como um tudo e para o mundo, mas sinta-se
livre para discordar, afinal os direitos dos civis estão na linha de fogo.
Pantera
Negra ganha uma introdução que explica seu contexto, origem e habilidades, mas
a grande dúvida do filme é uma: PETER PARKER (a.k.a Homem Aranha). Tom Holland
declarou em entrevistas tentar fugir da sombra dos intérpretes anteriores e
tirar deles somente o necessário, sem ser mais do mesmo. É inegável a
responsabilidade de ser o terceiro amigão da vizinhança em um intervalo tão
curto de tempo, mas o jovem nos presenteia com um Peter Parker certeiro e um Homem Aranha
tão excelente quanto. Tobey pode ser para alguns paspalhão demais (o que
discordo, mas não entremos nesse mérito) e Andrew descolado e “Starkiado”
demais (o que concordo completamente), mas Tom é um meio termo extremamente
carismático e convincente, aguardo ansiosa por seu futuro filme solo.
Marvel Studios é praticamente
um sinônimo de humor, muitas vezes exacerbado até, mas aqui aparece sutil e no
momento certo. Uma tirada em meio ao conflito, um olhar de canto, um improvável
veículo de fuga, o maravilhamento de um adolescente perante os maiores heróis da Terra
ao se ver lutando em meio a eles... funciona. A legenda, em dado momento, foi
um desserviço ao usar “tá tranquilo, tá favorável” para um termo simples proferido, sendo o único momento que me tirou do êxtase da excelência, mas isso é na
conta de um brasileiro engraçadinho, não da Marvel.
O grande mérito dos diretores,
irmãos Russo, é, no entanto, a ação que enche os olhos. Dando continuidade ao
primoroso trabalho executado no segundo filme solo do Capitão América, os
heróis são levados ao limite de suas habilidades em uma coreografia feroz e
violenta que torna o conflito um ballet mortal e cru, nem de longe limitado
pela cena do aeroporto destacada no trailer. Considero Steve Rogers o
personagem mais consistente do universo cinematográfico da Marvel, partindo de
um primeiro filme quase ótimo e crescendo a cada filme solo, bem como nos
Vingadores reunidos, para culminar nessa terceira obra em seu auge, e grande
parte disso se deve ao trabalho dos diretores que entendem o potencial do
Capitão e o que fazer com ele desde Soldado Invernal.
Há tempos não saía do
cinema tão satisfeita com um filme. O mal sofrido pelo fã é esperar demais e
receber de menos, mas Capitão América: Guerra Civil me manteve tensa, gritando
palpites silenciosos (nunca atrapalhem a sessão com comentários em voz alta,
crianças!) e com eventuais sorrisos no rosto para amenizar a agonia. Concentrei-me aqui nos aspectos positivos
porque na primeira visualização não fui capaz de detectar grandes impasses que
prejudiquem rudemente a trama ou o futuro da Marvel no cinema, o que não está a
salvo de segundas considerações após análises com mais calma no resfriamento
dos ânimos.
Como últimos conselhos,
sugiro que aguardem as duas cenas pós-crédito e entreguem-se a um filme que
excede expectativas, mas fuja dos excessivos vídeos e informações lançadas
previamente que podem arruinar o elemento surpresa. Divirtam-se. E aos
decepcionados com as falhas anteriores do estúdio, a obra é um grande “perdão
pelo vacilo”.
Esse texto foi escrito por: Jaqueline Buss