Falar sobre O quarto de Jack
(2015) é complicado. Concomitante à vontade de analisar cada detalhe expressivo
e melancólico do filme, que explora a condição humana em seus diferenciados
aspectos, está o receio de privar o leitor da experiência que tive. Ao apertar
o play tinha conhecimento apenas de que se tratava da história de um menino de
5 anos, Jack (Jacob Tremblay) que vive com sua mãe, Joy (Brie Larson), em um
quarto de poucos metros quadrados, avançando para o momento em que Jack
conheceria o mundo fora das paredes que o isolavam das coisas mais simples que
a natureza oferece.
A grande surpresa dessa obra
de Lenny Abrahamson, do também
interessante Frank (2014), que começa a delimitar o estilo do diretor, é a
construção dos personagens nesse ambiente restrito que parece crescer
infinitamente na atuação dos dois protagonistas. Há, obviamente, nesse primeiro
ato, uma terceira figura responsável pelo enclausuramento,
o que salva o roteiro de ter uma justificativa simples pautada na “proteção” de
Jack perante o perverso mundo lá fora, por exemplo. Há algo de pesado e
tenso nas motivações do responsável e na agonia de Joy, sendo impossível não
desesperar-se junto com o menino e a mãe.
Logo nas primeiras cenas vemos Jack requisitando um bolo, afinal, é seu aniversário e o quarto equivale ao mundo do menino. Suas percepções são filtradas pela mãe, criando um imaginário de que cães, ou até mesmo árvores, são produções fictícias da televisão, enquanto os barulhos da tubulação provêm de alienígenas e a fronteira final da Terra é uma abertura transparente no teto, demonstrando as estações do ano através do sol penetrante ou da neve acumulada. A criança é agitada, tenta entreter-se como pode, irrita-se facilmente e frequentemente um conflito com a mãe é gerado, porém amam-se incondicionalmente e a tela transborda esse sentimento.
A mãe protegeu Jack do
terror, e da carga de estresse, que vive há 7 anos, tempo que está presa, e é
chegada a hora de retribuir, o que exige uma grande superação de medos e
aceitação de desafios, construindo a relação de cumplicidade entre eles. Em
minha defesa, não é revelador contar que Jack finalmente se encontra fora do
quarto no segundo ato do filme, uma vez que a jornada que o encaminha para tal é
o que vale a pena desvendar. Joy arquiteta planos e arrisca seu bem mais
precioso, a companhia do filho, para não privá-lo da vitalidade de ser criança
e evitar que marcas tão profundas quanto às dela se formem em Jack.
É preciso ter em mente que a criança, brilhantemente trazida à vida por Tremblay, de apenas 9 anos, é um livro vazio, onde toda a experiência básica que torna a vida em sociedade possível, ensinada desde as primeiras palavras e primeiros passos, não existe. Assim, é possível resumir a obra como um emaranhado dramático, emocional e tenso. O papel de Joy, que rendeu à Larsson o Oscar de melhor atriz em 2016, precisa lidar com sentimentos completamente opostos de maneira constante, sendo eles o amor pelo filho, o julgamento da família, a pressão da mídia e a sua própria readaptação ao mundo que deixou para trás.
Explorando vários aspectos
da condição humana, a obra nos mostra que mesmo com tantas atrocidades
acometendo a sociedade diariamente, é reconfortante saber que pelo menos ainda
estamos sensíveis a isso. A crueldade não pode virar rotina e os passos
cautelosos de Jack em sua nova vida, que está apenas começando, nos deixam
completamente cientes disso. A cena final não é aberta, a partir dela sabe-se
exatamente a situação do menino e o que lhe aguarda no futuro.
A mensagem principal que
deixo recomenda que enfrente seus monstros e olhe para trás quando preciso,
assim como Jack nesse maravilhoso filme.
Esse texto foi escrito por: Jaqueline Buss
Assista ao trailer do filme: