SPOILERS ABAIXO:
Transexualidade, Feminismo, Egoísmo e Silêncios
Constrangedores.
Lembro quando ouvi rumores sobre a nova aposta da Amazon e
como Transparent me pegou de surpresa, pelo seu tema e a forma como a
transexualidade foi tratada de forma ímpar por Jeffrey Tambor, com um roteiro
tão delicado e apaixonante. Então, para o segundo ano da série as expectativas estavam
a mil e por um lado elas foram frustradas. E a opção de focar mais nos
problemas dos filhos insuportáveis de Mona foi o principal motivo para isso. A série ainda continua sendo um ponto fora da curva na maioria dos quesitos
quando comparamos com diversos outros shows, mas não há dúvidas que a primeira
temporada teve uma qualidade superior à segunda temporada.
No seu segundo ano, Transparent decidiu tratar de outros
temas que em algum momento dialogam com a transexualidade de Moura e sua
nova vida. E uma das estratégias do roteiro para este diálogo - senão a principal - foi focar nos seus filhos. Ali, a filha mais problemática, depois de muitas aventuras
amorosas deseja explorar o seu lado lésbico, porém, seu
egoísmo, o fazer as coisas da sua maneira sem pensar nos outros é um enorme problema, e isto culminou em um término conturbado e uma “libertação” que no fundo não diz nada, já que ela sempre fez o que sempre quis da forma como bem lhe convinha. Enquanto
isso Josh busca a todo custo uma relação estável e na sua cabeça ele é uma
pessoa melhor, mas suas atitudes mostram mais uma vez como sua criação foi
problemática e o quanto isto reflete na sua vida adulta. Por último, mas não
menos importante, Sarah muda radicalmente sua vida, mas a grande problemática nisso tudo é sua instabilidade e o modo como as coisas a cansam facilmente.
O roteiro usa da melhor forma as ações egoístas tanto de
Moura quanto de Shelly para enfatizar que os problemas dos seus filhos são
muito mais antigos do que se imagina e eles são assim em grande parte aos seus pais, sendo espelhos dos seus progenitores. É interessante como a série mostra os defeitos de cada
personagem de acordo com as ações tomadas por cada um, nem Moura sai ilesa
disso. Isso fica claro quando ainda antes de se assumir trans, Moura nunca deu
oportunidade para estudos feitos por mulheres. A adição de Leslie nessa trama
veio retratar como ser mulher não é tão simples. Claro que Moura, agora mulher, reflete sobre o ser mulher e o que isto significa e implica nas mais diversas situações, coisa que não acontecia quando ainda era
Mort. Isso se dá principalmente por muitas vezes as pessoas não se colocarem no lugar das outras e só darem importância a certas coisas quando passam por aquilo: Mort não sofria nenhuma descriminação de
gênero, o que mudou completamente quando se tornou Moura.
Outro ponto importante de se destacar é o quão complexo é a
identidade de gênero e o quanto as pessoas no modo geral precisam ter a empatia
necessária para entender e compreender. Lembrando que identidade de gênero é
completamente diferente de orientação sexual: existem trans homossexuais e
heterossexuais. O roteiro usa isso de forma muito didática, contrapondo Moura,
Davina e Shea, três amigas trans que possuem características completamente
diferentes, e o mais interessante nisso tudo é que nenhuma é menos trans que a
outra, mesmo uma tendo feito a cirurgia de mudança de sexo, a outra se sentir
bem com o seu corpo apenas com os hormônios e a outra ter mil e uma dúvidas sobre
o assunto por estar no início da transição.
Outros assuntos importantes foram colocados em debate, como
a importância da religião para o ser humano; o abuso de menor na adolescência,
sendo esse menor homem (o que não deixa de ser abuso, que fique bem claro
isso); a impulsividade e egoísmo de basicamente todos os personagens; o sexo e
o amor para pessoas idosas; feminismo e suas vertentes; entre outros assuntos
que tornaram esse segundo ano riquíssimo em discussões pertinentes da
atualidade.
O feminismo por exemplo é algo que desde a primeira
temporada vem tomando forma, mas foi escancarado mesmo nessa temporada. Mas o
que mais chamou a atenção foi o embate entre o feminismo e a transexualidade,
esse assunto não é só polêmico como muito pertinente e é o que atualmente
abastece diversas discussões sobre o quê o feminismo luta e quais os grupos que
ele abrange.
A série possuí diversos pontos fortes, mas um dos principais é o quão crível ela
é e o quanto as personagens podem ser pessoas do cotidiano, afinal ninguém é
100% bom ou 100% mal, as pessoas agem de acordo com o que elas acham melhor
para si mesmas. E o que mais faz Transparent ser diferente da maioria das
séries em exibição são os silêncios constrangedores, aquele tipo de silêncio
que é tão sufocante que a pessoa faz de tudo para não precisar ficar em
silêncio. Isso mostra o quanto os personagens são desconfortáveis nas presenças
dos demais, pois suportar o silêncio do outro não é tão simples como se
imagina.
Poder ver o início da família Pfefferman vindos das Alemanha
e suas dificuldades, fez com que a história se repetisse e a cena entre Moura e
sua mãe já entra para o hall das mais belas e tocantes da série. Com tudo isso,
a segunda temporada mostra que Transparent conseguiu manter o nível do seu
primeiro ano, mesmo que o enfoque seja diferente e a primeira temporada tenha
um brilho e encantamento que o seu segundo ano não teve, a série ainda é uma
produção muito acima da média e merece ser vista e acompanhada.
Esse texto foi escrito por: Poliana Mendes